Como a produção artística de Portinari contribui para o aprendizado infantil?
Quando a literatura e a arte se entrelaçam para transformar a educação das crianças

Por: Fernanda Emediato
A infância é um lugar que ainda não tem nome. É o tempo antes do tempo — aquele em que a criança ainda escuta o som da luz e brinca com o que não foi dito. E é por isso que ela entende poesia. Porque a poesia também não se explica. Ela acontece.
Na escola, às vezes querem ensinar tudo. Mas ensinar não é o mesmo que alcançar. A arte alcança. A literatura também. Porque entram pela fresta. Tocam onde o lápis não escreve. Onde a lousa não alcança.
Um poema pode ser uma porta. Uma imagem, um eco. Uma criança diante de um quadro de Portinari talvez não saiba o nome da técnica, mas sabe de cor aquele menino de pé descalço. Porque ela também já andou sobre chão duro.
Literatura e arte, quando verdadeiras, não servem para ensinar. Servem para lembrar o que fomos — e o que ainda podemos ser. Elas não preenchem lacunas: elas abrem janelas. A criança olha por elas e vê o céu. Ou vê uma pipa.
E se essa pipa for feita de palavras?
As pipas, os meninos, os voos
Entre tantas obras que aproximam literatura e arte, “As pipas de Portinari” merece atenção especial. Trata-se de uma coletânea de poemas inspirados nas pinturas do artista brasileiro Candido Portinari, criada especialmente para o público infantil. O livro reúne diferentes autores e celebra, por meio da poesia, as infâncias brasileiras em toda a sua diversidade. Os textos dialogam com as cores, os traços e os temas presentes nas telas de Portinari — meninos empinando pipas, brincando no chão de terra, sonhando com o céu. É uma obra que convida à sensibilidade, ao olhar atento e ao reconhecimento da infância como tempo de criação, imaginação e dignidade.
Cada página é uma pergunta leve. Ou uma lembrança que ainda não aconteceu.
Tem cordel, tem haicai, tem parlenda e até adivinha. Mas o que importa mesmo é que cada poema parece brincar — como se as palavras tivessem pernas e corressem pela página. Não para fugir, mas para serem alcançadas pelo olhar de uma criança.
“A pipa é uma conversa com o divino,” escreveu Marco Haurélio. E eu concordo. Porque o divino é isso: um fio invisível que liga o que é da terra ao que é do céu. E toda criança merece ter esse fio entre os dedos.
Tem um menino. E um galo que sonha. João Bosco sussurra essa história em cordel — e quem escuta percebe que é mais que rima: é quase um segredo. Depois, uma parlenda de Fernanda Emediato gira como roda: canta, conta e convida a dançar. Em outro canto do livro, Sônia Barros pousa um haicai tão pequeno e tão grande: o olhar de um menino que prepara o salto — da pipa e talvez da vida. Roseana Murray também escreve, mas não com tinta: com ar. Seu poema não anda — levita. A pipa vira asa de menino. Porque às vezes é isso: brincar é desafiar o chão.
Há mais vozes nessa conversa silenciosa. Leo Cunha ri com um limerique, Henrique Rodrigues suspira num soneto. José Carlos Aragão desenha palavras que se mexem, Marco Haurélio canta uma décima como quem reza. Cíntia Barreto sussurra uma quadrinha, Dilan Camargo propõe uma adivinha. Mas talvez o que eles façam mesmo seja nos lembrar que dentro de cada forma mora um menino. Ou uma menina. Ou um desejo de céu.