Elio: Pertencer é tão difícil quanto parece?
A nova animação da Pixar, 'Elio', retrata com o público os sentimentos de solidão, luto e a busca por pertencimento na infância contemporânea!

Para os amantes das animações da Pixar Animation Studios, o mês de junho foi marcado pela estreia do inédito longa, ‘Elio‘, o qual acompanha a história de garotinho de 11 anos, que possui uma imaginação fértil e é apaixonado pelo espaço e extraterrestres, que se teletransporta para o Communiverse, sendo confundido com o embaixador intergaláctico do planeta Terra.
Dirigido por Adrian Molina, o enredo discute sentimentos reais que atravessam o desenvolvimento emocional de crianças e jovens, com um protagonista que tenta se provar enquanto lida com questões pessoais como o luto, o isolamento social e a busca por pertencimento.
A solidão na infância atual
Logo no início do longa o público percebe que o protagonista está passando pelo luto, assim, em entrevista à RECREIO, a psicóloga e especialista em saúde mental infantojuvenil, Iara Mastine (CRP-06/79032), explica que este processo “por si só pode gerar solidão e mudanças de comportamentos relacionados a socialização”, refletindo-se nas experiências cotidianas atuais.
“Com o aumento do uso de telas, menos brincadeiras presenciais, ausência dos pais devido a necessidade de trabalho e famílias com rotinas intensas, muitas crianças se sentem emocionalmente desconectadas, mesmo quando cercadas por pessoas”, explica.
Segundo a especialista, essa falta de ligação pode causar pensamentos negativos como “ninguém gosta de mim” ou “não sou bom o suficiente”, afetando diretamente a autoestima e as emoções.
Mastine complementa informando que “essa solidão emocional, como a que Elio sente, pode não ser evidente à primeira vista”, mas ainda é muito realista e afeta o desenvolvimento afetivo e social das crianças e jovens.
A trama mostra como a fantasia é usada pelo garotinho para lidar com a dor, também sendo um ponto de reflexão ao que é utilizada como o único mecanismo de defesa para viver as complicações da realidade, se tornando um sinal de alerta ao impedir a interação, aprendizado e desenvolvimento social dos pequenos. “Quando a criança não consegue se desconectar da fantasia podemos observar um impacto funcional do comportamento. O equilíbrio entre imaginação e realidade é fundamental para o desenvolvimento emocional”, destaca a profissional.
Para a especialista, mesmo sem sofrer bullying abertamente, Elio é invisibilizado, ou seja, ele não é percebido, ouvido ou incluído, e isso também gera efeitos significativos psicologicamente. “Quando a criança não é percebida ou incluída, começa a construir pensamentos negativos sobre si mesma, como ‘sou irrelevante’ ou ‘não sou boa o suficiente’, podendo levar a quadros de ansiedade, depressão ou retraimento social.”
O pertencimento na Era Digital

Outro aspecto observado em ‘Elio’ é a sensação de não pertencimento — um sentimento que, segundo a psicóloga, tem sido cada vez mais comum entre crianças e adolescentes, muitas vezes reforçado pelas redes sociais ao que elas estimulam a comparação e criam ilusões de que “todos pertencem a um grupo ou uma vida ‘perfeita'”, menos a própria pessoa.
Citando sua recente obra literária, ‘O Rabisco’, que trata justamente sobre essa temática e busca apoiar crianças a entenderem suas emoções, Mastine explica que “Elio representa aqueles que se sentem deslocados, mesmo em diferentes contextos — e isso ressoa fortemente com a juventude atual, que busca, mais do que nunca, um lugar de acolhimento e autenticidade.”
Vale destacar que em alguns casos é necessário um auxílio profissional para identificar os pensamentos distorcidos, para entender suas necessidades com base na sua própria realidade pois “a sensação de não pertencimento é cada vez mais relatada em consultórios psicológicos.”
A psicóloga finaliza reforçando a importância de ambientes empáticos, ao destacar que a narrativa do longa mostra que o “superpoder verdadeiro” está na capacidade de se conectar com outros, sendo aliados da escuta ativa para criar vínculos, inteligência emocional para um desenvolvimento saudável, pois desenvolver essas competências através da associação com os personagens é uma forma criativa de proporcionar resolução de conflitos e autoestima. “Elio ensina, de maneira lúdica, que ser sensível e respeitoso com o outro é uma força, não uma fraqueza. Um olhar empático pode fazer toda a diferença”, conclui Mastine.